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Quando o consumidor pode se arrepender da compra feita fora do estabelecimento?

*Texto inicialmente publicado no site JusBrasil por Vitor Gugelmini, em 14/05/2015.
**adaptado


O direito de arrependimento é disciplinado pelo art. 49 do CDC, assim redigido:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Como visto, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial do fornecedor, ao consumidor estará garantido o prazo de sete dias para desistir da avença. Esse prazo é chamado pela doutrina de prazo de reflexão, justamente porque tem o objetivo de dar ao consumidor tempo para que reflita se deseja levar adiante a contratação, já que, muitas vezes, compra-se por mero impulso, quando, na verdade, a atividade de consumir deve ser bem pensada, refletida pelo consumidor. O "estado natural" de qualquer pessoa é o de não contratar. A não ser que haja uma demanda pré-definida pelo consumidor, regra geral ninguém "acorda" desejando contratar algo.
RAZÃO DA NORMA
O consumidor, quando exposto a vendas fora do estabelecimento comercial como, por exemplo: telefone, canais de vendas na TV, reembolso postal, vendas de porta a porta e, hoje, principalmente, pela internet, fica ainda mais vulnerável perante o fornecedor. Comprando fora do estabelecimento comercial, o consumidor não tem contato in loco com o produto ou serviço a ser adquirido; não lhe é possível conferir a qualidade, as características do produto como: cor, tamanho, textura (no caso de produtos) e condições de prestação (no caso de serviços). Em resumo, as expectativas do consumidor em relação ao produto ou serviço é que estão em jogo. Por isso o consumidor atua com mais consciência quando adquire o produto ou serviço dentro do estabelecimento comercial.
OBS: Por ora, estão fora do alcance da norma alguns tipos de contratação, como, por exemplo, a compra de passagens aéreas, rodoviárias etc. Isso porque esses serviços não estão sujeitos à prévia análise pelo consumidor. O que ocorre, nesses casos, é a desistência do consumidor durante determinado prazo fixado em lei, mediante a perda de parte do valor do bilhete. Da mesma forma, softwares, como, por exemplo, programas anti-vírus e contratação de TV por assinatura também não são alcançados pelo art. 49 do CDC, eis que, na maioria das vezes, ao consumidor é conferido um prazo (geralmente um mês) gratuito para "degustação", de modo que, nesse prazo, s. M. J, já terá reunido condições de avaliar se o programa de computador ou o serviço de TV por assinatura atendem às suas expectativas, e assim decidir se adquire ou não. Somente se não houver a chamada "degustação" é que o consumidor poderá exercitar o direito de arrependimento nesses casos. Dentro do que foi dito, relembre-se que a boa-fé é via de mão dupla, a teor do que dispõe o art. , inciso III, do CDC. Nas relações de consumo deve-se harmonizar os interesses de seus partícipes (consumidor e fornecedor), sempre com base na boa-fé e equilíbrio.
CONTAGEM DO PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO
Consoante a dicção do texto legal, o início da contagem do prazo de sete dias começa a correr da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço.
Contudo, a norma merece interpretação, pois, caso seja levada ao pé da letra, pode se tornar sem efeito algum. Assim sendo, por assinatura do contrato deve-se registrar que a respectiva data deve coincidir com o recebimento do produto ou serviço para que o prazo de reflexão se inicie, pois, caso o contrato seja assinado em data anterior à entrega do bem de consumo, a regra se torna inócua, na medida em que somente em momento posterior é que o consumidor terá o produto ou serviço entregue e, portanto, condições de avaliá-lo, de modo a conferir se atende às suas expectativas.
INCOLUMIDADE DO PRODUTO
No caso de produtos, é importante destacar que, caso o consumidor exercite o direito previsto no art. 49 do CDC, deverá devolver o produto ao fornecedor nas mesmas condições em que o recebeu, sob pena de incorrer em enriquecimento ilícito. Isso porque o produto deve estar em condições de ser vendido a outro consumidor que, eventualmente, desejar adquiri-lo. Assim, por exemplo, alguém que adquira um terno fora do estabelecimento comercial, não poderá usá-lo em um dia de trabalho ou, como é comum acontecer, alguém que adquira uma roupa para ir a uma festa não poderá usá-la para a grande noite e depois devolvê-la ao fornecedor, ao argumento de que não gostou do produto, pois já a terá usado, deixando o produto de ostentar a característica de um bem novo, por isso vindo a depreciar.
DESNECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE VÍCIO - DIREITO POTESTATIVO
Por fim, uma das características mais importantes relacionadas ao direito de arrependimento diz respeito à desnecessidade de que o produto ou serviço apresente algum vício para que o consumidor desista da aquisição.
Quando manifesta o arrependimento da contratação, o consumidor não está obrigado a declinar ao fornecedor o motivo que o levou a desistir. Trata-se de um direito potestativo, a que o fornecedor simplesmente está obrigado a se sujeitar. Se porventura o consumidor decidir informar ao fornecedor o motivo da desistência, tal informação somente poderá ser considerada pelo fornecedor a título de coleta de dados para fins de pesquisas e estatísticas.
Conforme disposto no artigo, uma vez exercido o direito de arrependimento, deverá o fornecedor restituir ao consumidor a quantia eventualmente paga, monetariamente atualizada, bem como quaisquer outros custos suportados pelo consumidor com o envio do produto ou a prestação do serviço (parcela eventualmente paga, transporte etc.).









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